A advocacia corporativa, o ócio criativo, o brincar e a produtividade

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O que os executivos podem e devem aprender com as crianças

Por Leonardo Leite

A advocacia corporativa brasileira talvez já esteja entre as melhores do mundo (acredito muito nisso – e só não podemos comprovar ainda por falta de uma métrica científica que a avalie) e em grande parte conquistamos esse reconhecimento com muito trabalho, muito esforço e dedicação, muita qualidade do que fazemos. Mas também pelo nosso estilo mais flexível, criativo e livre.

Trabalho sério não precisa ser chato, e o próprio aprendizado de que chefe não é necessariamente líder nos mostra que sermos mais leves pode gerar muito mais produção e resultados.

Engana-se (e muito) quem pensa que as crianças não levam a sério as suas brincadeiras. Concentram-se, às vezes por horas, e “vivem” as brincadeiras.

Brincar pode ser ao mesmo tempo sério e gostoso, lúdico e criativo – até educativo, mas com liberdade e ternura. E para podermos brincar e deixar a “criança” aflorar em nós é preciso que tenhamos tempo.

Tudo na vida tem ao menos dois lados, e o lado “chato” e o “estar sempre ocupado” do “crescimento” das pessoas pode ser um bom exemplo do que aqui se pretende questionar, sobre o que nos torna “adultos” – e se isso é bom ou ruim, inclusive do ponto de vista profissional.

Quando a criança cresce, ganha ou perde, melhora ou piora, torna-se mais preparada para a vida ou mais chata, mais colorida e ilustrada ou mais cinza, mais feliz ou mais infeliz?

Provavelmente um dos grandes dilemas e desafios humanos seja justamente o “crescer com qualidade”, o “amadurecer com sabedoria”, mantendo o espírito e a mente sempre jovens – e a essência da “criança” dentro de nós.

Nosso “crescimento” não pode, e não deve, significar que perdemos a capacidade de rir, de brincar, de nos emocionar, de sermos leves e alegres – de sermos humanos, pois se assim o fizermos perderemos a nossa essência e a nossa originalidade; perdendo também a criatividade.

Vários colegas e alunos costumam comentar o meu “jeito” e estilo de “provocar” reflexões, sempre lançando ideias; e muitas delas de fato levam um certo tempo para serem entendidas e assimiladas.

Realmente, é bem possível que pontos assim integrem a minha biografia. E aqui trago mais algumas questões e provocações.

Esse desafio construtivo, o convite provocativo e o olhar diferente e mais amplo que sempre “trago”, talvez sejam mesmo necessários a todos nós. E nos ajudem a sair da “mesmice”. Alguns dos leitores talvez apreciem…

Sendo fiel ao pensamento maior que herdamos da antiguidade, ao aprendermos a sabedoria da frase “só sei que nada sei”, acredito que grande parte do sentido de “estarmos” por aqui é justamente questionar crenças e “certezas”; buscando a verdadeira evolução. Se assim não fosse, ainda estaríamos “nas cavernas”.

Temos que questionar “certezas” e aprender a fazer mais perguntas. Como já sabemos, o mundo não é movido pelas respostas, mas pelas perguntas. E esse é justamente um dos pontos que “ainda” nos mantém melhores do que as “máquinas”.

Talvez esse o seja o caso deste breve artigo, que pretende “conversar” um pouco com o leitor – e “provocar” (na verdade “convidar a”) uma reflexão sobre o brincar, a criatividade, o ócio criativo, o lúdico, o livre e a produtividade corporativa. E sobre o tempo.

Criatividade e inovação precisam de liberdade e de tempo. E nem todos os gestores já perceberam que por vezes cobram inovação e criatividade, mas não oferecem o que as pessoas mais precisam para de fato chegar a essa produção.

A armadilha da microgestão passa em grande parte por essa questão e pela “tentação” de chefes controladores de tentar interferir tão minuciosamente no que a equipe faz que só atrapalham.

Os humanos nascem livres, alegres, felizes, soltos, inovadores e criativos, quase sem limites, mas aos poucos são “forjados” e “moldados”, treinados e até “engessados”, como que presos em armaduras de comportamentos, crenças e atitudes – que muitas vezes criam a falsa impressão de serem aprendizados úteis e até necessários, mas que devem também ser questionados.

Serão esses “ensinamentos” sempre bons e a liberdade (e a alegria) da criança sempre algo “infantil” (no aspecto negativo) e que deve ser afastada do “mundo adulto”, inclusive o corporativo? Entendo que não.

O “brincar” do adulto logicamente não seria exatamente igual ao da criança, muito menos no ambiente corporativo, mas com certas adaptações pode ser extremamente produtivo do ponto de vista da criatividade.

O Sociólogo e cientista italiano Domenico de Masi chocou muita gente ao lançar em 2000 o já clássico “O Ócio Criativo”, tão brilhante quanto disruptivo e revolucionário à época, mas que merece ser resgatado e entendido em maior profundidade.

Sua proposta, com a qual este autor concorda, defende que a criatividade, e aqui incluímos a produtividade, precisam de tempo e de liberdade.

Embora nem todos aplaudam, logicamente não é pelo lado que muitos costuma ver como pejorativo da palavra “infantil” que grandes potências empresariais do festejado Vale do Silício são tão “leves”, soltas, livres, coloridas e até lúdicas. Várias delas perceberam que somos seres brincantes – e que isso é bom!

Engana-se, também, quem pensa que nelas apenas se brinca. Claro que não! Trabalha-se muito, mas a despeito dos resultados, há leveza, há espaço, há cor e quando possível há natureza.

Muitas das “inovações” como o fim da ditadura da vestimenta formal, do linguajar rebuscado e do trabalho apenas presencial (na empresa) mostraram que os resultados melhoraram muito quando práticas antigas foram abandonadas.

A própria relação dos executivos modernos com o tempo precisa ser revista, pois o “aproveitar o tempo” muitas vezes é confundido com “estar sempre ocupado”; que costuma ser um enorme erro.

Muitos de nós não sabem lidar com o tempo e ficam tão preocupados com o tempo “livre”. Vários desses, por exemplo lidaram muito mal com a quarentena e o distanciamento social gerado pela pandemia 2019-2020.

Enquanto diversas pessoas conseguiram lidar bem como a “plenitude do Home Office” e tornaram-se até mesmo mais felizes e criativas, e também aproveitaram muito bem o tempo que tiveram “a mais”, outras entraram em desespero.

Algumas se descontrolaram e até se perderam pelo aumento das atividades que surgiram, pois realmente muita gente passou a trabalhar bem mais do que antes, mas outras pelo pânico do “tempo livre”.

Termos tempo para realmente descansar, relaxar, pensar e criar, é fundamental, assim como vivermos com leveza, alegria e cor; deixarmos em alguns momentos a “criança crescida” brincar.

Esse aspecto da Inteligência Emocional é pouco discutido nas empresas e precisa ser mais estudado e compreendido, pois pode ser um dos grandes “skills” que os executivos tanto buscam.

Quando superamos a dicotomia entre os “hard” e os “soft” “skills”, aprendendo que precisamos de ambos (de “todos”, cada um em seu momento), talvez tenhamos deixado de lado a base da criatividade – que para muitos é justamente a liberdade da criança e o brincar, usando o tempo de uma maneira bem mais inteligente e até produtiva.

Especialmente no Brasil, precisamos aprender a valorizar mais alguns aspectos da nossa cultura que são super reconhecidos e festejados no mundo todo, mas que por aqui nem sempre entendemos bem.

Vários dos “top executivos” brasileiros são disputados por empresas de todos os continentes, e em grande parte em função da combinação da criatividade e da flexibilidade (o ‘jogo de cintura”) com a produção de resultados e a capacidade de “entrega”. Esses profissionais geram valor, agregam valor, e assim o fazem justamente pela capacidade que têm de conciliar tudo isso.

O brasileiro que já é reconhecido pela criatividade e a qualidade da sua música, da sua dança, da sua culinária, do seu futebol e do seu carnaval, da sua literatura e de tantas outras artes. Provavelmente ainda precise se apropriar do que realmente o  torna “diferente” no aspecto positivo mais amplo e profundo.

O chamado “jogo de cintura” que muitos executivos brasileiros brilhantes conseguem empreender às suas equipes e empresas vem, em grande parte, da “ginga”, do futebol, da capoeira, e, por que não, das brincadeiras das crianças.

A inteligente utilização do tempo e do ócio (para sermos mais criativos), que De Masi defende, leva-nos, também, à lembrança da própria etimologia da palavra “negócio”, que na antiguidade era justamente a negação ao ócio.

“Naquele tempo”, os cidadãos livres eram também os mais ociosos, e os que se dedicavam à criação e às artes, ao passo que os que aos negócios se dedicavam (e que negavam o ócio) estavam ocupados – já não criavam.

O mundo corporativo moderno, que também chamamos de mundo dos negócios, não precisa ser a negativa do ócio – pode, na verdade, usá-lo ao seu favor.

Todos nós, assim como nossas equipes e empresas precisamos disso.

Precisamos respeitar os códigos de convivência, os prazos, as prioridades, precisamos lidar com as pressões e as obrigações; claro que sim. Mas se conseguirmos manter uma certa calma, uma certa leveza e um certo colorido, e alinharmos tudo isso aos nossos sonhos mais profundos, “daremos” conta do recado com brilho nos olhos.

Trabalhar “duro” e de forma responsável e séria não tem nada em comum com o estresse, a pressão sem medida, o controle e a negação do humano. Ao contrário.

Tanto na vida quanto no trabalho temos que buscar a felicidade, e profissionais não felizes dificilmente serão realmente inspiradores e “completos”.

Esse “segredo” do equilíbrio (sempre ele) aliado à alegria de viver torna-nos muito mais produtivos – e precisamos disso.

Lembremo-nos da pandemia do Covid-19 e do quanto ela mexeu conosco, com todos. Mas lembremo-nos, também, do que cada um de nós fez com o seu tempo e como o utilizou de forma criativa.

O “tempo” em grande medida é relativo, como nos ensina a física quântica, mas de outro lado, todos temos as mesmas 24 horas diárias e os mesmos 7 dias semanais. A diferença está no que fazemos com o tempo.

Nossa “sociedade padrão” perdeu o costume de brincar, assim como perdeu o costume de “ter tempo”. E essas questões não são boas.

Engana-se muito o “chefe” que acredita que pessoas estressadas, super ocupadas, sempre em seu raio de visão, e até certo ponto controlada, são mais produtivas e melhores profissionais. Não são!

Quem tiver mais interesse e curiosidade sobre o tema, talvez goste da obra acima citada, mas também do conceito da medicina psico-lúdica. E, ainda, do documentário brasileiro “Tarja Branca” – que justamente contrapõe em seu título o conceito da positividade, ao “brincar” (pelo oposto) com os “medicamentos tarja preta”. Procure conhecer mais sobre todos esses conceitos e trabalhos.

As reflexões aqui propostas e as provocações apresentadas podem ajudar muito na busca pela inovação, pela criatividade, pela leveza, pela alegria, pelo brincar, pelo uso inteligente do tempo, da graça de não fazer nada e do florescer da criança que todos temos em nós.

Prestemos mais atenção no simples e nos que realmente importa. E muitos conseguiremos ser pessoas e profissionais melhores.

O executivo jurídico brasileiro precisa se reinventar sempre. Talvez também nesses pontos!

Biografia do Autor

LGPD Leo Leite Advocacia

Leonardo Barém Leite é advogado em São Paulo, especializado em negócios e em advocacia corporativa, sócio sênior da área empresarial de Almeida Advogados, com foco em contratos e projetos, societário, governança corporativa, “Compliance”, fusões e aquisições (M&A), “joint ventures”, mercado de capitais, propriedade intelectual, estratégia de negócios, infraestrutura e atividades reguladas.

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (“São Francisco”) com especialização em direito empresarial, pós graduado em administração e em economia de empresas pela EAESP-FGV/SP, bem como em Gestão de Serviços Jurídicos pela mesma instituição. Pós-graduado em “Law & Economics” pela Escola de Direito da FGV/SP, especializado em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Conselho de Administração pelo IBGC/SP. Mestre em “Direito Norte Americano e em Jurisprudência Comparada” pela “New York University School of Law” (NYU/EUA). É membro de diversos conselhos de instituições brasileiras e internacionais, autor de diversas obras sobre gestão jurídica estratégica e direito empresarial, professor em cursos de pós-graduação. Integra várias comissões e comitês de advocacia corporativa em São Paulo e em outros estados. É professor em cursos de especialização em Gestão Estratégica de Departamentos Jurídicos de Empresas na FIA e na FAAP, em São Paulo, e autor de livros sobre o assunto. Foi sócio do escritório Demarest e Almeida – Advogados onde atuou por mais de 20 anos, e também advogado estrangeiro no escritório Sullivan & Cromwell em NY e na Europa nos anos 1990.

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