Voo cancelado ou atrasado: indenização por perda de uma chance

Voo cancelado ou atrasado: indenização por perda de uma chance

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Entre julho de 2017 e junho de 2018, mais de 100 milhões de passageiros foram transportados por companhias aéreas brasileiras. O número, divulgado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), considera os passageiros pagantes e transportados em voos domésticos e internacionais.

De acordo com o relatório anual mais recente da Anac, que faz referência a 2017, o percentual de atraso superior a 30 minutos em voos regulares domésticos foi de 6,9% das etapas de voo realizadas. O superior a 60 minutos atingiu 2,4% das etapas. Os dois resultados representaram piora em relação a 2016: crescimento nos atrasos de 17% e 10% respectivamente.

Já os cancelamentos atingiram 10,1% dos voos domésticos, queda superior a 14% em relação a 2016. Nos voos internacionais, os atrasos superiores a 30 e a 60 minutos foram de 7,9% e 3,7% respectivamente — também relacionados ao número de etapas realizadas. Já o percentual de voo cancelado foi bem menor em comparação com os voos domésticos: 2,7% do total de etapas.

O atraso do voo ou, ainda pior, voo cancelado resulta em dor de cabeça para o passageiro. Em um mundo que se conduz pelo relógio, são frequentes as vezes em que cinco ou dez minutos fazem a diferença para que um compromisso não seja perdido. É a isso que se agarra a teoria da perda de uma chance, que vem ganhando espaço nos tribunais.

Teoria da perda de uma chance

Basicamente, essa teoria consiste no fundamento aplicado pelo juiz para conferir a alguém uma indenização pela chance perdida. Vamos a um exemplo real para facilitar a compreensão. A desembargadora do Tribunal de Justiça de Goiás concedeu indenização com base nessa teoria.

Uma estudante de medicina perdeu a matrícula na residência por causa do atraso do voo. Ela não conseguiu chegar a tempo do horário da entrevista que conferiria a ela o acesso à especialidade. A saída do voo em horário posterior ao agendado fez com que a estudante perdesse uma chance ou oportunidade.

Na sua fundamentação, a desembargadora classificou o caso como “clássico e doutrinário da teoria da perda de uma chance”. Como a estudante provou que, para entrar na residência, precisava apenas comparecer à entrevista, a magistrada concluiu que houve a perda de uma oportunidade. Não há como recuperá-la. Uma indenização, ou seja, uma soma em dinheiro, tem como propósito amenizar a frustração – o prejuízo emocional – causada.

Extravio de bagagem também pode se enquadrar na teoria

O sumiço da bagagem, em razão geralmente de furto, também pode gerar uma situação que se enquadre na teoria da perda de uma chance. Em outra decisão da Justiça, um dos ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2002 considerou o “abalo psíquico” causado pelo extravio da bagagem como motivo para um profissional ter perdido uma oportunidade única para sua carreira.

A história resumida é a seguinte: um médico e professor universitário foi a um congresso em Washington representando o Brasil. Na volta, percebeu que sua bagagem, que continha, entre outras coisas, materiais didáticos, projetos e estudos, havia sido extraviada. Perceba que não se tratava de uma bagagem convencional, com apenas roupas e outros artigos próprios de viagem. No dia seguinte ao retorno, esse profissional foi submetido a um exame de seleção de mestrado, que naturalmente já estava agendado. De acordo com o médico, que entrou na Justiça exigindo indenização e a bolsa integral que teria se houvesse sido aprovado no mestrado, o abalo psíquico causado pela perda da bagagem (com material de estudo – lembra?) foi a causa de reprovação.

O desembargador concedeu a indenização moral. Quanto ao pedido da bolsa integral, ele foi indeferido. O argumento é que jamais poderia existir garantia de aprovação do médico se o extravio não tivesse ocorrido.

Um caso curioso envolvendo a teoria

O caso emblemático de aplicação dessa teoria não tem companhia aérea como ré. Ele envolve o programa de televisão “Show do Milhão” apresentado durante muitos anos no SBT por Silvio Santos. Em 2005, uma ex-participante entrou na Justiça alegando ter perdido a chance de ganhar R$ 1 milhão. A razão para essa impossibilidade foi que a pergunta final, que valia todo esse dinheiro, não tinha resposta correta. Como ela ganhou R$ 500 mil no programa, depois de optar por parar e não responder à pergunta, a ex-participante pedia em juízo o valor que faltava para completar o milhão.

O processo judicial foi parar no STJ, que condenou a rede de televisão a pagar indenização no valor de R$ 125 mil. O entendimento foi que a ex-participante perdeu de fato a oportunidade de vencer o programa e, por consequência, de levar o prêmio milionário por culpa da emissora de televisão, que elaborou uma pergunta sem resposta correta.

A definição do valor a ser indenizado foi curiosa. Como a pergunta tinha quatro alternativas, a autora tinha uma chance em quatro de escolher a correta. Sendo assim, os desembargadores decidiram dividir os R$ 500 mil pedidos pela ex-participante em quatro. Isso porque, assim como a aprovação do médico no mestrado, é impossível saber se a ex-participante teria efetivamente acertado uma questão final bem elaborada.

Possibilidade de acordo extrajudicial

Nesses três casos, a mediação deveria ter sido usada para alcançar um acordo extrajudicial. Ou seja, um entendimento entre as partes fora da Justiça em que ambas saiam ganhando com a solução alcançada.

A mediação online – método alternativo de resolução de resolução de conflitos também conhecido internacionalmente pela sigla ODR (online dispute resolution) – é um dos caminhos para evitar a judicialização de conflitos como os relacionados a voo cancelado ou atrasado.

A proposição dos métodos alternativos pode partir do departamento jurídico da empresa. O advogado deve estar preparado para identificar o melhor momento para sugerir a resolução amigável. Nos exemplos aéreos citados, como voo cancelado, voo atrasado e extravio de bagagem, a empresa tem conhecimento da insatisfação logo depois de ocorrido o problema.

Resolução de conflitos por meio da negociação online

Outro método alternativo disponível em plataformas online é o da negociação. O procedimento objetiva que as próprias partes cheguem a um acordo.

Ao contrário da mediação, não há, na negociação, a presença de um terceiro imparcial que promove o diálogo. As partes acessam um sistema eletrônico construído especialmente para esse fim e negociam diretamente.

O processo, realizado por meio de canais digitais, é dinâmico, já que o departamento jurídico costuma ter uma política de negociação definida, com ao menos três faixas de acordo. O cliente ou consumidor insatisfeito recebe com agilidade essas propostas. Além de resolver a pendência com rapidez, a empresa recupera o relacionamento com o cliente.

Mediação online ou negociação online

A mediação online deve ser aplicada aos casos explorados neste post. Nos exemplos ligados às companhias aéreas, o conflito não é de fácil resolução. Isso porque não envolve apenas a questão material, o que justificaria a aplicação da negociação online. Há questões emocionais envolvidas. Os consumidores estão realmente frustrados porque, devido ao problema ocorrido no voo, perderam oportunidades de vida que não aparecem todos os dias.

Caberá a um mediador, que atua como um terceiro imparcial no conflito, controlar os ânimos do consumidor prejudicado para promover o entendimento com a companhia aérea. A meta do mediador é fazer com que o diálogo ocorra entre as partes a fim de que elas cheguem a uma solução positiva para todos os envolvidos.

Gostou do post? Você trabalha em departamento jurídico de companhia aérea? Lida diariamente com voo cancelado ou atrasado? Compartilhe com a gente sua experiência na resolução desses conflitos.

Leia também aqui no blog sobre os motivos pelos quais o departamento jurídico deve buscar o acordo digital por meio da mediação ou da negociação.

 

O conteúdo oferecido faz parte da Academia MOL.

Para saber mais sobre a MOL – Mediação Online, acesse www.mediacaonline.com.

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