Como utilizar a argumentação jurídica para resolver conflitos?

Como utilizar a argumentação jurídica para resolver conflitos?

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Engana-se quem pensa que uma boa argumentação jurídica é garantida apenas pelo conhecimento das leis. Muitos profissionais pensam que se estiverem preparados tecnicamente, com embasamento jurídico, o sucesso será certo. Para o especialista Felipe Asensi, advogado com livros publicados, como “Hermenêutica e Argumentação Jurídica”, a realidade não é essa, especialmente nos conflitos que podem ser resolvidos por meio dos métodos alternativos. Nessas controvérsias, as questões emocionais são tão importantes quanto o próprio conflito. Confira abaixo a entrevista concedida por ele para o blog da Mediação Online (MOL).

1) Não é uma questão apenas de direito

“A argumentação jurídica deve ser interdisciplinar”, afirma Asensi, que dá aulas na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), entre outras instituições de ensino, e que, além da formação jurídica, possui graduação em sociologia. “Quem deseja argumentar de forma persuasiva precisa utilizar outros conteúdos. O advogado penal deve saber sobre segurança pública. Já quem atua com direito empresarial, sobre contabilidade e estatística. É óbvio que o conhecimento jurídico tem muita importância, mas não será somente ele que convencerá o juiz em um processo judicial”, complementa.

Há ainda questões não relacionadas com a teoria que influenciam no processo. É muito comum, por exemplo, em casos de violência doméstica contra mulheres, que a vítima perdoe seu agressor. Muitas vezes nem chegam a prestar queixa. Asensi relembra um desses casos. “A emoção, a dependência econômica e a manipulação feita pelo marido, toda a tortura psicológica, influenciaram de forma decisiva, ainda que o direito conferisse à vítima razão no conflito. O advogado deve, portanto, ter sensibilidade para lidar com os conflitos que são antes de mais nada sociais”, diz.

A competência da argumentação jurídica ampla, que dê espaço para questões não relacionadas ao direito, ainda segundo Asensi, não é bem trabalhada pelas faculdades, que estão preocupadas em ensinar a litigar. “O aluno é ensinado como sair vitorioso no processo judicial por meio do uso dos dispositivos legais. Há duas situações abordadas na faculdade: ou você ganha, ou você sucumbe, ou seja, perde a ação”, diz. O resultado disso é que o profissional entra no mercado de trabalho não sabendo negociar. A negociação envolve ganho para ambas as partes, conforme já escrevemos aqui no blog.  

Ganha-ganha

É exatamente esse ganha-ganha buscado pela mediação, que quer solucionar o conflito de forma amigável. O mediador, que atua como terceiro imparcial, está preocupado com a facilitação do diálogo entre as partes para que elas cheguem a um acordo com base principalmente nos fatos. São os fatos, e não o direito, que vão determinar a solução mais adequada para o conflito. E aí o mediador deve estar preparado para lidar com a emoção das partes.

“O sucesso da argumentação na mediação depende dos fatores extrajurídicos como capacidade de entender as dores do outro, os interesses envolvidos no conflito, os valores de cada uma das partes. A empatia conta muito – mais do que nos processos judiciais”, resume Asensi.

2) É preciso ser criativo

“O direito tende a fazer com que o advogado seja reprodutor de conhecimento, e não produtor ou gerador”, afirma Asensi. O especialista cita como exemplo a lógica clássica do processo judicial, que tem como objetivo convencer o juiz a decidir favoravelmente ao pedido ou aos pedidos realizados. Nessa ânsia de vencer, o advogado usa, no processo, como referência o conhecimento produzido pelos doutrinadores. Esse profissional menciona entendimentos já consagrados no direito ou que estão em vias de consagração. Sem contar a reprodução de decisões anteriores – a chamada jurisprudência.

“Já nos métodos alternativos de resolução de conflitos, esse argumento de autoridade é substituído pelo argumento da criatividade”, comenta Asensi. Isso porque o profissional tem de pensar como resolver o conflito, pois não há uma solução pronta – lógica bem diferente, portanto, da reprodução de uma solução jurídica adotada no processo judicial.

3) As ideias devem estar organizadas

“Na faculdade de direito, não aprendemos a organizar as ideias. Talvez por isso os profissionais costumem argumentar sem uma ordem lógica de pensamento”, avalia Asensi. O problema disso é que não conseguem convencer ninguém porque o entendimento daquilo que se pretende demonstrar fica comprometido. Como argumentar é propor e dar aos interlocutores – as pessoas com quem você conversa ou que recebem sua mensagem – razões suficientes para aderir à sua proposta, o primeiro passo é fazer-se entender.

Para tornar a argumentação organizada, o especialista recomenda que o profissional comece com as premissas. São ideias genéricas e mais abstratas, como “você é a favor da democracia?”, que costumam ter ampla aceitação das pessoas. O propósito das premissas é criar empatia para que os interlocutores sejam conduzidos logo na sequência para ideias ou argumentos mais precisos.

4) O interlocutor deve ser humanizado

“Conhecer em profundidade o interlocutor permite que você utilize a linguagem apropriada para convencê-lo. Mais do que isso: a abordagem adequada”, diz Asensi. Para que isso seja possível, o advogado, mais uma vez, deve fazer diferente em relação a uma prática comum na área.

“No direito, a tendência é objetificar as pessoas. Não sou eu que digo, mas o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Quando as partes entram na sala de audiência, elas deixam para trás seus nomes e viram simplesmente autor e réu. A subjetividade é perdida em nome do direito, que tem como característica ser muito objetivo”, explica.

Para fazer com que a argumentação jurídica seja bem-sucedida, o desafio é fazer o oposto. “Em um contexto de construção de diálogo, de consenso, as pessoas devem ser vistas como elas são, como sujeitos que possuem identidade. Somente assim será possível construir empatia entre todos os envolvidos no conflito”, finaliza Asensi.

 

Tem outras dicas de argumentação jurídica? Escreva para a gente! Leia também o post sobre como funcionam as técnicas de mediação de conflitos.

 

O conteúdo oferecido faz parte da Academia MOL.

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